21 dezembro 2023

Eu, …

… que tenho um espanta-espíritos que me trouxeram do país dos guaranis, que entro sempre em Alvalade com o pé direito, que cruzo os dedos quando quero que aconteçam coisas cá minhas, que evito situações nas sexta-feira 13, não acredito nisso da sorte e do azar

As coisas são como são

Se as histórias que conta te maravilham, se as palavras que alinha te comovem, se te escuta como se tu soubesses alguma verdade, se te abraça com força, se quer saber das tuas pequenas coisas, então, Ruben Patrick, por quem és, não lhe digas que ela é uma mulher interessante.

25 setembro 2023

Das boas graças dos deuses certos e caldeirões da poção mágica da sorte eterna

Dizem-me que eu tenho as boas graças dos deuses certos, que me caí no caldeirão da poção mágica da sorte eterna, mas eu, que sei como as coisas se passam, sei que só aproveito o que a vida me estende numa bandeja, perguntando-me se quero ou não quero, e eu, que sei como as coisas se passam, acho que já tinha dito isto, digo que sim, que quero, mesmo que às vezes não tenha todas as certezas, mas sei que é pegar ou largar, se pensar muito a coisa deixa de lá estar, e quero, e pego, e sei que a seguir a oportunidades aparecem oportunidades, sei que não há boas graças dos deuses certos nem caldeirão da poção mágica das sorte eterna, mas que me dá muito jeito que exista quem pense que a vida se faz de boas graças dos deuses certos e de caldeirões da poção mágica da sorte eterna, isso dá.

29 agosto 2023

Dos livros e outras situações

 




Trouxe o óbvio Kadaré para estes dias albaneses, dois livros a contar a história brava deste país, um que me conta como os turcos foram despachados, outro que me diz como os italianos de Mussolini daqui saíram sem glória, talvez a companhia de livros que me contem histórias dos sítios onde vou nunca tenha sido tão perfeita,  quase ao jeito do “foi aqui, precisamente neste lugar…”, o que eu não contava era fechar o círculo de forma perfeita e visitar a casa que foi do próprio Kadaré, onde ele terá tido as ideias dos livros que aqui li.

25 agosto 2023

Picos dos Balcãs, as histórias (4)


 Peaky, foi o nome que eu lhe dei, é um cão errante, a primeira vez que o encontrei no caminho acabou por ir comigo até ao abrigo seguinte, ainda uns bons dez quilómetros debaixo de muito calor, a sua entrada no abrigo foi saudada por outros viajantes a quem Peaky tinha acompanhado no caminho, alguns deles a mais de trinta quilómetros dali. Peaky não pede comida, tem entrada livre na mesa das refeições e todos guardam um pouco da sua comida e da sua escassa água para dar de comer e beber a Peaky, que sairá com o primeiro viajante, que trocará no percurso se o viajante repousar mais do que um par de minutos, Peaky não espera e acompanhará quem vier a seguir no caminho. Encontrei-o quase cinquenta quilómetros à frente de onde nos cruzámos pela primeira vez, desta vez com uma ferida que não deixava que tratassem, contava-se que tinha sido picado um dia antes por uma cobra que Peaky tinha atacado na berma de um caminho com arbustos cerrados de mirtilos selvagens que, por terem muita água, os viajantes sempre colhem, sem parar no caminho. 

23 agosto 2023

Picos dos Balcãs, as histórias (3)

 Não há como não notar a placa de metal a brilhar ao sol na cascata. Pergunto a quem parece ser dali o que está escrito, dizem-me que será qualquer coisa como “a beleza da natureza levou-te”, era um homem da terra que gostava de se arriscar a mergulhar no lago da cascata, um bom homem, bebo uma cerveja em memória deste homem bom e fico a pensar se quem vai colocar aquelas flores frescas no precipício não terá, mais dia, menos dia, direito à sua própria placa de metal com fotografia.



22 agosto 2023

Picos dos Balcãs, as histórias (2)


 Trouxe um dos melhores Kadaré para as montanhas, este é o Kadaré que conta a história de um general italiano que tem a missão de levar os soldados italianos mortos pelos albaneses na segunda grande guerra, é um bom livro para ler nas montanhas da Albânia e ficar arrepiado, acontece que desrespeitei a regra primeira das arrumações de mochilas e transportei o General na bolsa cimeira num dia de seis horas de dilúvio e o General apanhou chuva, a mesma chuva de que se queixa na história. E se isto não é uma coisa bonita para acontecer a este livro, então não sei nada de coisas bonitas para acontecer a bons livros.

21 agosto 2023

Picos dos Balcãs, as histórias (1)

 Mister Bruno pára o seu Range Rover com matrícula da Pensilvania e pergunta-me se quero boleia para os últimos quatro quilómetros do caminho. Como me perdi e fiz cinco quilómetros inúteis e já levo doze horas de montanha nas pernas, parece-me uma espécie de justiça divina e aceito. Mr. Bruno conta-me que fugiu da guerra da Jugoslávia, os Sérvios punham tudo a ferro e fogo e o Montenegro não contava numa luta desigual, fugiu para os Estados Unidos, trabalhou doze anos seguidos. A cada curva da estrada aponta para a encosta e anuncia que tudo aquilo é dele. Na estrada ainda salvamos uma holandesa que apanhou um golpe de calor, este trilho não é para principiantes, diz a amiga, levamos as duas holandesas a porto seguro, Mr Bruno dá as suas ordens na língua local e todos o cumprimentam, desde o homem que conduz o burro com troncos às costas, um amigo da escola primária de Mr. Bruno que decidiu ficar, até ao homem com um BMW com matrícula de Nova Iorque, Mr. Bruno parece feliz com a sua vida e goza este fim de dia em que salvou almas penadas dos rigores da montanha. Desejamo-nos a melhor das sortes, que parece que já temos.

17 agosto 2023

Algarve em Agosto

 Daqui onde me encontro, nesse sítio onde Kadaré me conta que acontecem as vinganças albanesas, se alguém mata alguém, outro alguém da família do morto tem o direito e a obrigação de matar alguém da família do assassino, que se torna a família do assassinado, e assim sucessivamente, só vejo paz. O Kosovo está do outro lado do monte e pessoas boas oferecem-me cerveja fria e queijo feito por elas. Sorriem e o sorriso diz as palavras que lhes faltam em inglês. Eu subo, é para isso que cá estou, para subir estas montanhas a que chamam malditas, mas eu, que sei coisas de montanhas, sei que não há montanhas malditas.

09 agosto 2023

Recomeçar

 Em verdade te digo, Ruben Patrick, recomeçar não é complicado, complicado é justificar a mim próprio ter  Antologia Policial Minerva na mesa de cabeceira e José Pinhal Post-Mortem Experience nas músicas mais ouvidas, complicado é ser jogador do Fócuporto e ter amanhã o Sérgio Conceição a dar palestra, complicado é ter comido francesinha dois dias seguidos. 

Os problemas das mulheres

 Deslumbrarem-nos, no mais bonito dos sentidos.

13 março 2022

Em doze anos...

... li menos de cem páginas de Ulysses, os sobrinhos cresceram mas continuam a dormir no meu sótão uma semana por ano, o Sporting foi campeão, escrever num blog passou a ser uma excentricidade, troquei o barca Velha pelo Mirabilis, o Old Bushmills pelo Nikka, mantive o gin sem coisas a boiar, mantive-me imortal, passei de seis para cinco cafés por dia, mudei de vida, voltei a mudar, quase me desfiz a esquiar com Grieg nos ouvidos, tive pena de pessoas disto dos blogs, joguei póquer e ganhei quase sempre e li, li sempre, li muito, li demasiado.

Doze anos de Pipoco. E tudo vai bem.

20 fevereiro 2022

Eppure...

Fora da bolha, lá  onde as pessoas dão dois beijos, acham que no pantone há uma cor que se chama vermelho e lhes dá igual em que copo se serve vinho tinto, lá onde as férias são no Algarve e os livros são fáceis de ler, a vida parece ser bastante mais divertida. E no entanto...

13 fevereiro 2022

Na esplanada da avenida da Liberdade...

... na mesa ao lado da minha, um homem com idade de quem podia  perfeitamente ter ido ver os Police ao Restelo, contava a sua má fortuna a duas mulheres, o homem contava os seus medos e uma das mulheres aligeirava-lhe o discurso e repetia o que o homem tinha dito, usando com palavras mais ligeiras. 

Nunca apreciei apaziguadoras de angústias.

01 fevereiro 2022

Debriefing

As últimas imagens são as que perduram, Chicão será recordado, não pelos batalhões de cavalaria a correr já nem nos lembramos onde, mas pelo ar perdido a dizer que não fará aos outros as maldades que lhe fizeram a ele, Rio será recordado, não pela galhofa no programa do Araújo Pereira, mas pelas palavras em alemão que ele, com aquele sentido de humor alternativo, vá-se lá saber porquê, achou que eram boa ideia no momento em que levou a coça da vida dele, Catarina será recordada, não pela ciência da projecção da voz, mas por pelo ar perdido com que nos dizia que não estava nada perdida, Jerónimo será recordado, não pela arte de dizer com renovada energia as coisas do costume, mas pela arte de dizer sem energia as coisas do costume, Inês não será recordada por coisa nenhuma.

Mas, no fundo, de quem eu vou ter saudades é do Zé Albino.

08 janeiro 2022

Para além dos poucos caracteres

 Andam sossegadas, as pessoas. Escondem-se atrás do "é melhor não ir, que isto está outra vez complicado" e evitam os jantares onde se discute ao sabor de um bom tinto do Dão, desses jantares onde se discute a sério e percebemos que afinal cada vez temos menos certezas. E aprendem menos, as pessoas em sossego habituam-se a escutar só as suas tribos, é mais seguro, mas com as nossas tribos não aprendemos nada. Viajam menos, o que também não é bom para ninguém, pessoas que não saem do mesmo sítio são pessoas que se não aguentam mais de dez minutos. Andam sossegadas, as pessoas, e não coisa mais triste que pessoas em sossego.

24 novembro 2021

Quarta, às nove da manhã

 Eu, que sempre confundi Alan Parsons Project com Barclay James Harvest, o Forest Green com o North Texas Green na escala Pantone, a Avenida António Augusto de Aguiar com a Joaquim António de Aguiar, o terminal dois com o terminal 4 de Barajas, a Marcha Nupcial de Wagner com a de Mendelsson, Jorge Jesus com o quadro do menino da lágrima, a Judite de Sousa com o Júlio Isidro, sei distinguir perfeitamente o logotipo da CNN Portugal e o da Correio da Manhã TV.

23 novembro 2021

Terça, às nove da manhã

 Por razões que desconheço, há muitos anos me reconhecem habilidade para escolher vinhos, não importa a mesa que for, os novos entrantes nas tertúlias habituam-se desde a primeira vez que quem escolhe o vinho é o Pipoco, havendo sempre quem recorde pomadas lendárias que este que vos escreve escolheu, basta essa invocação para que se perpetue a regra sagrada e controle os ímpetos dos que chegam, desmoralizando-os de mostrarem os seus saberes ou de se candidatarem a macho-alfa dos jantares, amaciando-lhes os níveis de testosterona e mantendo a tradição de as coisas serem como são, soubessem eles que me limito a encenar o momento, colocando com vagar os meus óculos de ver ao perto, os de aros redondos, demorando-me na escolha, hesitando, perguntando ao empregado por vinhos que já sei que não estão na carta, questionando se não terão por acaso a colheita de um ano que sei estar esgotado, escolhendo finalmente, a multidão silenciosa, aguardando o veredicto, enquanto o empregado vai e vem eu anuncio o que nos espera, usando com saber mas aleatoriamente as palavras "final de boca a morango" se for tinto ou "cítrico" se for branco, demorando-me na influência que cada casta tem no blend, anunciando o tipo de madeira em que o vinho foi guardado, finalmente a chegada do vinho, a demora na prova, duas ou três notas segredadas com ar severo ao empregado, aconselhar que deixem o vinho respirar dois ou três minutos para que liberte os vapores certos, explicar que aquela acidez é por ser um vinho de vinhas velhas, todos assentindo que sim, que se nota perfeitamente, garantindo que ainda não é desta vez que dirão de Pipoco que ele não é grande coisa a escolher vinho.